Já faz tempo que
venho planejando usar mais o transporte público e deixar o carro em
casa. Uma necessidade de reparos fez com que essa ideia se tornasse
realidade. Pois bem, hoje uso principalmente o metrô para me
deslocar por São Paulo e acho que fiz uma boa troca. Uma das
vantagens de se andar a pé é o contato com a cidade e as pessoas,
mas às vezes vemos coisas que nos desagradam. Quase todos as noites
desço na estacão Marechal Deodoro, por volta das 23 horas. Do lado
de fora, há sempre vários moradores de rua deitados na calçada.
Recentemente, tenho visto algumas pessoas distribuindo marmitas para
esses indivíduos. Você, meu leitor, pode achar que essas pessoas
estão fazendo um belo trabalho, mas eu não penso assim e vou dizer
por que.
Eu me mudei para São
Paulo, vindo do interior do Estado, em 1986. Para quem não sabe, a
década de 1980 é chamada pelos economistas de “década perdida”.
Muitas coisas interessantes aconteceram nesse período, como o
movimento Diretas Já, a Constituição de 1988, o fim da ditadura
militar e por que não dizer o primeiro grande festival de rock no
Brasil, o Rock in Rio. Pois bem, mas, do ponto de vista da economia,
não há praticamente nada para comemorar. Na década de 1980,
tivemos hiperinflação, desemprego, estagnação, crise da dívida
externa etc. Mas, em 1986, em meio a esse caos na economia, quase não
havia moradores de rua na cidade. Em 1994, conseguimos a tão sonhada
estabilidade econômica e posteriormente a retomada do crescimento e
do emprego.
No começo dos anos
2000, a alta no preço das commodities impulsionou o crescimento
econômico. Havia um otimismo grande em relação ao Brasil, mesmo em
outros países. Foi por essa época que a revista britânica The
Economist estampou em sua capa uma imagem do Cristo Redentor na forma
de um foguete decolando. Também foi por essa época que o grupo
financeiro Goldman Sachs criou a acrônimo BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China) para se referir às principais economias emergentes
da época. Toda essa empolgação em relação ao Brasil não
convencia a todos. Uma vez minha irmã disse: como a economia pode
estar melhorando se a população de rua não para de aumentar?
Passei então a refletir sobre essa questão.
A solução para
esse paradoxo é relativamente simples. Boa parte dos usuários de
drogas perde tudo e passa a morar nas ruas. Ou seja, o número de
moradores de rua aumentou, mesmo com o crescimento econômico, porque
o consumo de drogas aumentou. Resumidamente, morador de rua e usuário
de drogas são quase sinônimos. Quando alguém distribui comida para
os moradores de rua, está na verdade alimentando usuários de
drogas. E ao criar facilidades para esses indivíduos está, em
realidade, a estimular o uso de entorpecentes. Portanto, essas
pessoas de bom coração estão tornando um problema grave ainda
maior.
Muitos anos vivendo
relativamente próximo à cracolândia, me fez ter uma visão muito
cética em relação a esse assunto. Quando o prefeito de São Paulo
João Dória implementou políticas para conter o comércio de drogas
na região central, a cracolândia atravessou a Avenida Rio Branco e
se instalou na Praça Princesa Isabel, bem próxima à minha casa.
Nessa época, os moradores da região começaram a se mobilizar para
que a cracolândia fosse retirada da praça. Eu me engajei nesse
movimento, visitei a região da antiga cracolândia e conversei com
várias pessoas com o objetivo de entender melhor o problema.
Constatei que existem várias instituições, públicas e privadas,
empenhadas em ajudar de diversas maneiras essa população. Na antiga
cracolândia, conheci duas ONGs: Cristolândia e Bola de Neve. Além
das ONGs, verifiquei que os governos estadual e municipal têm
programas para quem quer deixar as drogas voluntariamente.
Concluindo, minha visão desse assunto é bem malthusiana. Boa
intenção não basta. Quem quer efetivamente ajudar os mais pobres
deveria refletir bem pois na prática é impossível distinguir entre
morador de rua e usuário de drogas. Dar comida, moradia ou o quer que seja para
viciados em crack, sem exigir nenhum tipo de contrapartida, pode tornar as coisas ainda piores.